Hekate

Terrível a noite sucede a cada dia
Eu lanço-me com copa de estrelas
Ao encontro da minha doce senhora
E acordo os pássaros que dormem na floresta sepulcral
Da caruma caída
Dos pinheiros que estendem finos troncos
Como mil raios a criar noite sob noite

Escudo escuro, copa de sombras, eu chamo à noite capa e casaco, cobre-me, nutre-me, espera por mim e recebe sem nunca recusar.

Eu venho pedinte ao teu palácio ancestral, encontro conforto no escuro. De novo mulher, amada, mãe, de novo eu grito agora não coberto no mar do teu ventre, agora coberto pela noite que me lembra de casa.

Pois eu não sou deste lugar, isso sei-o certo como o sangue corre também nas veias.

Caminhei entre espinho e esperança e voltei à desilusão. Talvez agora sob manto negro eu cresça. Sei que espero também, por isso o escrevo. Mas que espero eu senhora?

Estou além do que escrevo, num lugar em que há espadas e paredes próximas, estou numa casa terrível onde não há lar. Ao menos o ar frio da rua, podia entregar-me ao ar, a sua promessa de novo horizonte, de horizonte sem fim.

Será o meu canto súplica ou prece ou queixa, lamúria engravada nas pobres palavras que posso ainda juntar. Que mais tenho para dizer, como cantar um poder estranho e misterioso, como pedir uma corda que me leve para fora deste alçapão. Eu entrego-me à noite, de alma, coração e por favor leve corpo e vida. De bom grado oferenda e como prece, como súplica.

Que sou mais que outro homem, que tenho, que faço, que tento? Pois não o tenho, nem o faço, nem o tento mas escuta.

Cheguei por caminhos estranhos à tua porta e quero permissão, entrar. Que pouco tenha mas salva-me.

Será? Outros magos tentaram, e sacerdotizas e mais belas oferendas e um coração mais puro e livre. O que tenho eu para ofertar à deusa da noite, o que quer de mim a senhora dos espetros, o que precisa a que faz toda a magia?

Mas choro, choro na noite e a minha voz presa amaldiçoa prisão e estadia longa demais. Ó noite acalma esta treva e acrescenta à pura vastidão do teu manto. Que sou eu senão encontro de desastre, de falhanço, que posso deixar à imaginação?

Não é de mim que falo, eu sou este choro, eu sou esta súplica e este mar quebrado pois mais anseio a morte que continuar. Sem fim esquecer, esta carne, ai, que negro feitiço.

É demais para mim manejar estas crueldades, que não posso sentir de outra forma, pois que dano causei, que regra quebrei, que pena, qual castigo servidão eterna para o vazio que já antes me devora?

É permitido chorar? Que outra coisa senão deixar, senão ser a alma que tenho, que mais posso pedir, que ela não seja torturada eternamente, aqui e em qualquer outro lado, que temor não por mim mas pelo que sou.

Não posso causar comoção tamanha, mesmo a minha morte suspiro consumido pela noite. Quem me dera. Terei de viver e trabalhar. E a cada dia de prisão sinto a minha alma a ser sugada, que terríveis deuses ofendi? Mesmo o mal formado tributo, que paga posso por crimes tão funestos?

Pois não tenho saída e vou lento continuar a quebrar pouco depois de pouco e, talvez, um dia tudo. Certo um dia tudo mas esperar por ele. Que dia, não, não o dia, agora a noite sagrada me cubra.

Eu canso-a com a minha canção, é uma nota desagradável, repetida à exaustão, triste, enfadonha...Mas que fazer? Eu exagero ou sou? Serei mesmo?

Sinto-me horrível. Quero desprender os sonhos do corpo.

Tudo para mim é dano e sacrifício, não posso gritar ou fugir e escorro palavras de súplica mas sem merecer.

A minha vida acabou. Queria cantar a noite mas acabo por suicida mostrar o meu coração. É isto que vês.

Agora com voz enviar mensagem ao éter. Que te encontre senhora. Os teus negros e belos trajes são da dimensão de toda a terra e tudo em ti eternamente. Que cabelos onde todas as nações podem nascer, viver e morrer. Em paz ou inquietos os espíritos em ti sabem casa e senhora os recebe. Eu sou um desses espíritos que corre gritante, louco na noite e preso ao dia e sem saída. Benção teu toque nesta terrível situação e agora calo-me.