O primeiro feitiço

O sol morreu
Vejo através do espelho
A procissão azul começa
Vai acabar por nos matar a todos

Não antes de gastar a minha tinta
Trezentas ruínas, ruídos subterrâneos
Já nasceram trinta gerações, trinta mais morrerão
Não o vi nas estrelas
Nem em nenhuma palma de mão

Mas fico quedo
Não o ciúme da tua musa
Não inveja da tua glória
Vê antes a minha
Escura, esquecida, informe
Vê antes a mim
Negro, desconhecido, único
Semelhante à núvem no espaço do céu
Semelhante ao seixo, ao grão no deserto
Eu fico, eu sei
Aqui te espero
***
A crença no sobrenatural
Os passeios pela noite
Não vês nada de estranho
És estranho
***
É sempre o mesmo
A cada dia que passa me sinto mais ausente e igual
Eu não escolho mas sou obrigado a esconder
A ter medo
E nada tenho senão medo
***
Mata-me
Que caia a vermelha marcha e me destrua
Eu quero lá saber
Eu afoguei-me e choro sem conseguir parar
Sou um destroço e um morto
Sou um peso, só posso cair

Esta obra já ocupou tempo demais
Se fosse para ser cumprida veria os sinais
Eu estou farto
Quero que tudo acabe
Quero que termine
***
As caras mascaradas eu vejo desfilar
Que segredo escondem?
Será que me gozam no escuro?
Que posso eu fazer?
Nada me corre bem
Nem a morte, nem a vida
***
Confesso que não sei
Estou para além de mim
Sem resposta, sem sinal, sem caminho
Estou no fim dos meus caminhos
Não sei o que sou, o que serei, o que fui
O que é isto, o que se passa
Quero chorar
***
A deusa da morte
De cara encarnada e dedos verde escuro
Pedras preciosas e estranhas

Ontem prometi ficar
Hoje quero sair
Amanhã onde estarei?
Não sei

Estou farto de ser estranho
Farto do mistério
Mostra-me os segredos ou acaba-me
Ou poupa-me ou tem misericórdia

Que farás com os segredos?
Viverás em escuro esquecimento
Carregado por misterioso saber?
Saberás usá-lo em teu proveito?
Ou em benefício dos homens?
Eu juro que sei que cozinhas negra tempestade
E tudo faremos para que não acedas à nossa sabedoria
Mas se por artes escondidas chegares até à casa
Dos nossos antepassados
Deixa-me amaldiçoar-te assim:
Que te demores
E que sintas o que este saber foi
E nunca mais será
Que esqueças o teu próprio nome
E que te percas no misterioso tufão da prática negra


Não...
Não...
Cobre-me
Poupa-me